quarta-feira, 20 de abril de 2011

BRASIL - REBELIÕES SEPARATISTAS 1

1. CONTEXTO HISTÓRICO

Potência hegemônica na Europa, a Inglaterra era a vanguarda das transformações industriais e ditava as novas regras em nome da liberdade de comércio. Ao mesmo tempo, os Estados Ibéricos ressentiam-se de suas manufaturas medíocres, incapazes de concorrer com a produção britânica.

Por meio de guerras, contrabando e acordos diplomáticos, a Inglaterra conseguia ampliar seu comércio com outras metrópoles e respectivas colônias, submetendo-as a uma dependência estrutural, ou seja, reservando-lhes o papel de fornecedores de gêneros agrícolas e matérias-primas, e de consumidoras de produtos industriais.

Dessa forma, as bases do sistema colonial português no Brasil foi sofrendo enorme desgaste, sendo gradativamente contestado até se romperem definitivamente no início do século XIX.

No caso do Brasil, as rebeliões separatistas foram as primeiras a revelar claramente a intenção dos participantes em lutar pela emancipação (independência) do Brasil em relação a Portugal e mostraram-se possuidoras de alguma consciência nacional, além de certa organização política e militar.

Inconfidência Mineira, Conjuração do Rio de Janeiro, Conjuração Baiana e a Insurreição Pernambucana não se limitaram a contestar apenas os aspectos da dominação colonial (impostos, abusos), mas questionavam o próprio Pacto Colonial, a Dependência e a Sujeição da colônia à metrópole.

Inicialmente vamos conhecer um pouco da Inconfidência Mineira, até porque hoje, dia 21 de abril, é Feriado de Tiradentes, este que é um dos personagens mais conhecidos da revolta separatista que ocorreu em Minas Gerais e que posteriormente na República, tornou-se o nosso herói, martir da Inconfidência Mineira.


2. INCONFIDÊNCIA MINEIRA (1789)


Julgamento de Tiradentes


Muito mais que uma luta entre o bem e o mal, a Inconfidência Mineira foi a primeira tentativa de rompimento dos laços com a Metrópole Portuguesa. Já bastante enriquecidos com as atividades mineradoras do início do século XVIII, os habitantes de Minas Gerais viam-se agora às voltas com a queda brusca da extração de ouro e pedras preciosas (diamante), e as constantes ameaças de cobrança de tributos atrasados.

Para o governo português, era urgente a recomposição das finanças imperiais, abaladas na segunda metade do século XVIII.

Estava difícil para os colonos conseguir pagar as cem arrobas anuais de ouro (1500 Kg), valor estipulado pela Coroa Portuguesa como tributo da capitania de Minas Gerais. As dívidas aumentavam nas mesma proporção das ameaças, sendo inevitável o confronto.

Com o Iluminismo despontando na Europa e os filhos da aristocracia local de Minas indo estudar em universidades europeias, principalmente em Coimbra, vários tiveram contato com as ideias ilustradas (iluministas) e liberais. Muitos ao retornarem, trouxeram para a colônia informações acerca da recém-criada República norte-americana, abrindo os olhos dos colonos mineiros.

Com a nomeação de Luís Antônio Furtado de Mendonça, visconde de Barbacena, para o governo de Minas Gerais em 1788, a coroa exigiu dele o estabelecimento da Derrama: a cobrança das cem arrobas  anuais de ouro(1500 kg) devidas à Metropóle, que recairia sobre todos os habitantes da capitania.

Tais notícias chegaram à população da capitania, acirrando os ânimos e aprofundando a insatisfação. Grande parte dos devedores da Metrópole era composta pela elite econômica e intelectual da sociedade mineira.

Aproveitando-se do clima gerado, muitos proprietários de terras e de minas, letrados e membros da administração envolveram-se numa conspiração que pretendia assassinar o governador da capitania e tornar Minas Gerais uma república independente. Além disso, tinham como objetivos a construção de uma universidade em Vila Rica (atual Ouro Preto) para desenvolver manufaturas, o que era probido pela Metrópole, libertar os escravos que nasceram no Brasil, perdoar as dívidas atrasadas, transferir a capital Vila Rica para São João Del Rey e criar uma Guarda Nacional composta de cidadãos.

Os planos foram elaborados em uma reunião, em Dezembro de 1788, na casa de Francisco de Paula Freire de Andrade, comandante militar da capitania. O início da rebelião foi marcado para fevereiro de 1789, quando imaginavam ser feita a cobrança da Derrama.

Diante da insatisfação da população, o governador suspendeu a Derrama, que foi oficialmente comunicada em 14 de março de 1789. Foi um alívio para os mineiros, que puderam escapar da pesada tributação. Mesmo assim havia alguns que deviam o pagamento do tributo, como os contratadores, homens que compravam da Coroa o direito de cobrar os impostos (o dízimo da Igreja e tributos de importação) por determinado tempo.

Entre esses estava Joaquim Silvério dos Reis, que ao saber do adiamento da Derrama, procurou uma outra forma de aliviar seus débitos com a Coroa, denunciando seus companheiros no dia 15 de março de 1789.


3. A DEVASSA

O Visconde de Barbacena comunicou os fatos ao vice-rei, Luís de Vasconcelos e Sousa, no Rio de Janeiro, que instituiu uma Devassa, espécie de processo, para apurá-los.

Imediatamente foi preso um dos conspiradores, Joaquim José da Silva Xavier, conhecido como Tiradentes, que além de alferes, primeira patente de um militar, era uma espécie de dentista da região. Era um dos maiores propagandistas do movimento, mesmo não sendo integrante da elite colonial.

Outros foram presos e para conseguirem a liberdade denunciaram outros companheiros, como Claudio Manoel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga, ilustres poetas do Arcadismo brasileiro, , de sólida formação cultura, bem informados sobre a Filosofia das Luzes, ricos, possuidores de boas bibliotecas. Seriam eles que deveriam elaborar as leis e a Constituição do novo Estado.

Em 1790, Tiradentes resolveu assumir sozinho a iniciativa da rebelião, apresentando-se como único líder do movimento. Evidentemente não era verdade. Para a Metrópole, interessava caracterizar o movimento como insignificante, chefiada por um simples alferes inculto.

Encontrava-se aí um excelente "bode expiatório" para a aristocracia mineira, que retirava dos poderosos a responsabilidade da conspiração.

A rainha de Portugal, D. Maria I, conhecida como Maria, a Louca, condenou Tiradentes à morte por enforcamento, sendo seu corpo posteriormente esquartejado e exposto em praças públicas  de diversas cidades mineiras como forma de intimidação às possíveis revoltas.

Os "loucos desejos de uma sonhada liberdade", porém, continuaram existindo e eclodiram em três outros movimentos: as conjurações do Rio de Janeiro e da Bahia, no século XVIII, e a Revolta de Suassuna, em Pernambuco, ao raiar o século XIX.

Dia 15 de abril de 2011 trouxe uma notícia histórica interessante referente à Inconfidência Mineira. Observe:

Unicamp identifica ossadas de três inconfidentes mineiros

- Após dez anos de estudos, foram identificadas ossadas de três inconfidentes mineiros mortos há cerca de 200 anos. José de Resende Costa, Domingos Vidal Barbosa e João Dias Mota, ganharão lugar no Panteão do Museu da Inconfidência Mineira, em Ouro Preto (MG), onde irão se juntar aos restos mortais de 13 inconfidentes.

- A cerimônia de sepultamento está marcada para o dia 21 de abril, Dia de Tiradentes, e contará com a presença da presidenta, Dilma Rousseff, da ministra da Cultura, Ana de Hollanda, do presidente do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), José do Nascimento Júnior, além do governador de Minas Gerais, Antônio Anastasia, e do diretor do museu, Rui Mourão.


Pesquisador da Unicamp - ossadas de Inconfidentes


Doutor Eduardo Darude

4. O MITO TIRADENTES

Hoje, dia 21 e abril, é feriado de Tiradentes aqui no Brasil. Sendo um amante da História e educador não poderia deixar de abordar tema tão importante, mas de uma maneira diferente...

Vou apresentar a vocês algumas curiosidades sobre esse homem que se tornou herói nacional, mesmo após ter sido morto enforcado durante o a revolta separatista da Inconfidência Mineira como traidor da Coroa Portuguesa.


No dia 21 de abril de 1792 um homem anda em direção a um cadafalso, estrutura usada para execução, possuindo a semelhança de Jesus Cristo, o Salvador. Era Joaquim José da Silva Xavier, que beija os pés e perdoa o seu carrasco, recebe a alva (vestes brancas) e sente pesar em suas mãos um crucifixo... Generoso, arrependido e castigado, recebe a pena imposta como a forma única de ter perdoado os seus pecados. Caminha para a forca e quando o dia amanhece, estão abertas as portas para a sua eternidade.

Com a proximidade da Semana Santa, você deve se perguntar, como pode haver tantas coincidências? Teria o povo brasileiro presenciado a Paixão de Cristo milênios mais tarde, em pleno território nacional? Com tudo que tem direito: Judas, 12 apóstolos e ressurreição?

Diante da narrativa positivista oficial de alguns livros escolares, a resposta seria sim, só que dessa vez o personagem em destaque seria o grande líder da Inconfidência Mineira: Tiradentes.

Toda a narrativa apresentada foi inicialmente planejada pelos Franciscanos, que foram responsáveis pelos depoimentos dos enforcados. Colocaram Tiradentes como mártir, homem que entregou a sua vida pelos outros inconfidentes. e que aceitou a morte como pena pelos seus enormes pecados cometidos.

Posteriormente, veio a República e com ela vieram os construtores do nosso "Cristo Humanizado", perfeito herói nacional. Acertaram em cheio, pois com a visão religiosa, transmitida através de pinturas e ilustrações devidamente encomendadas, o alferes caiu no gosto do povo brasileiro e jamais deixou o imaginário político e social do brasileiro.

Assim como o herói nacional, o mito da origem moderna sobrevive no tempo e espelha a ideia de liberdade nacional. A Historiografia da Inconfidência Mineira e o jogo político e ideológico cumprem com suas funções de expandir a imagem religiosa, com boas doses de ilusão no consciente coletivo. E a cena cristã brasileira acalenta à sua maneira o virtuoso Tiradentes.

CURIOSIDADES SOBRE TIRADENTES

- As pinturas de Tiradentes mostradas no artigo foram feitas, respectivamente, por Décio Villares, Pedro Américo e Cândido Portinari.

Percebam que todos eles representam Tiradentes como Cristo, apesar do rosto verdadeiro nunca ter sido realmente conhecido. Todas demonstram a influência da religiosidade sobre a imagem do mártir da Inconfidência.

- Em 1870, o movimento republicano o elegeu como mártir cívico-religioso e antimonarquista. A data de sua morte tornou-se feriado nacional em 1890. A primeira pintura oficial também data deste ano, de autoria de Décio Villares, que apresenta Tiradentes como Cristo, com barbas e cabelos longos.

 







- Na verdade, segundo relatos da época, Tiradentes era alto, magro e muito feio. Ele nunca usou barba e cabelos longos. Como militar, o máximo que se permitia era um discreto bigode. Ele foi enforcado no Rio de Janeiro, com a barba feita e o cabelo raspado, no dia 21 de abril de 1792. Abaixo uma imagem que poderia ser bem próxima da realidade:


- Matéria publicada no site Folha Online mostra que, apesar de Joaquim José da Silva Xavier – o Tirantes – ter morrido há 219 anos até hoje alguns de seus descendentes recebem pensão do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). A “Bolsa Tiradentes” é invenção da ditadura militar e já foi paga a mais sete parentes do mártir da Inconfidência, enforcado há 219 anos.

O benefício foi concedido pela primeira vez em 1969, quando o regime julgou ter encontrado os “últimos três trinetos” do alferes Joaquim José da Silva Xavier. Depois disso, outros quatro descendentes comprovaram o mesmo grau de parentesco e conseguiram receber a pensão, mesmo sem ter contribuído para o INSS.

- Cecília Meireles, grande escritora brasileira, em Romanceiro da Inconfidência, traz uma coletânea de poemas que conta a história de Minas do início da colonização até a Inconfidência Mineira na então capitania de Minas Gerais.

Veja um trecho da obra:

   " Atrás de portas fechadas,
à luz de velas acesas,
entre sigilo e espionagem,
acontece a Inconfidência.
E diz o Vigário ao Poeta:
"Escreva-me aquela letra
do versinho de Vergílio...
E dá-lhe o papel e a pena.
E diz o Poeta ao Vigário,
com dramática prudência:
"Tenha meus dedos cortados,
antes que tal verso escrevam...
LIBERDADE, AINDA QUE TARDE,
ouve-se em redor da mesa.

Através do poema, verifica-se no trecho grifado pelo Impacto na História que o lema da Inconfidência está estampada, em latim, na bandeira de Minas Gerais.




- Como não poderia deixar de indicar um bom filme para que vocês possam entender melhor o contexto histórico, deixo aqui a indicação de um filme de Oswaldo Caldeira, TIRADENTES, que traz um visão bem irreverente  e intrigante sobre os inconfidentes e claro, com enorme respaldo em pesquisas recentes, que foram comentadas aqui com todos vocês. Humberto Martins vem como Tiradentes e vários atores de prestígio, a exemplo de Paulo Autran, complementam a história. Mesmo sendo produzido em 1999, vocês já podem conferir em DVD esse excelente filme brasileiro.




Observa-se que tanto a Inconfidência quanto Tiradentes trazem enormes questionamentos que muitas vezes foram "engavetados" por descrições, depoimentos e uma historiografia oficial altamente positivista, que se preocupou somente com "nomes", "datas" e´"símbolos".

Espero que de agora em diante vocês possam entender o porquê do dia 21 de abril ter sido instituído como feriado de Tiradentes e de que forma se estabeleceu o mito do Herói Brasileiro republicano.

Um abraço e um excelente feriado para todos!!!

Até o próximo post com muito mais novidades!!! Impacto na História fazendo o estudo da História ficar bem mais divertido e interessante.

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